A restituição de ICMS na energia elétrica, e o equívoco que você não
pode cometer
O mundo do direito tributário sempre foi revestido das chamadas “Grandes Teses” tributárias, e desta vez chegou a hora do ICMS.
Conforme determina a Constituição Federal no artigo 155, II, o imposto que incide sobre a circulação da mercadoria de competência Estadual possui diversos instrumentos normativos reguladores para se evitar, ou pelo menos,
minorar, os efeitos da chamada Guerra Fiscal entre os Estados, por isso, as regras definidoras de isenções e demais incentivos fiscais estão a cargo do Conselho Nacional de Política Fazendária, conhecido como CONFAZ, sendo seus membros com representação de todos os estados da Federação, inclusive o Distrito Federal.
A circulação jurídica da mercadoria só ocorre com a mudança da titularidade, ou seja, não deve ser fato gerador do tributo a mera circulação de bens. E o que tem a Energia Elétrica a ver com esse imposto? A resposta está desenhada no artigo 155, §3º do diploma constitucional que determina que além do Imposto de Importação e Exportação, nenhum outro imposto além de ICMS deverá incidir sobre operações relativas a energia elétrica. Obviamente não se tributa apenas o ato da simples geração da energia, mas sim a circulação entre a empresa geradora, passando por empresa distribuidora até chegar ao consumidor final.
A concessionária será a responsável pela apuração e cobrança do mencionado tributo em relação a todas as operações, mediante o consumo, afinal o elemento caracterizador do momento da incidência, chamada de aspecto temporal será o efetivo consumo. A produção e a distribuição da energia elétrica, portanto, não configuram, isoladamente, fato gerador do ICMS, conforme posicionamento adotado pelo STJ no REsp 130.6356/PA.
A expressa disposição constitucional, determina que a base de cálculo é o valor da operação relativa a circulação de mercadorias, ou seja, não incidirá sobre a demanda de potência contratada, mas sim sobre o efetivo consumo, a ser calculado tomando-se por base a demanda da potência elétrica utilizada. Entendimento já sumulado através do enunciado 391 do STJ: “O ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada. ”
Entre a geração da energia até o seu efetivo consumo, atuam empresas responsáveis pela redução da tensão da energia produzida pelas usinas, as chamadas transmissoras e distribuidoras. Tais empresas, são subordinadas ao pagamento de entre outros custos da TUST e a TUSD, sendo a primeira a Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão e a outra Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição. Essas tarifas regulamentadas pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), pagas pelas pessoas jurídicas fornecedoras, sustentavam a tese de que a base de cálculo do ICMS não deve se restringir apenas ao consumo, e sim sobre todos os custos da cadeia econômica de circulação da energia elétrica, ou seja, a alíquota do tributo será cobrada pela soma algébrica do efetivo consumo somado a todos os custos na efetiva circulação, incluindo a TUST e a TUSD. Contudo, o STJ se manifestou de
forma contrária a essa prática, determinando que a base de cálculo do ICMS é formada pelo valor da operação relativa a circulação da mercadoria, hipótese na qual não se enquadra as tarifas já mencionadas, pois estas, não
são pagas pelo consumo da energia, mas pela disponibilização das redes de transmissão, não se podendo admitir que seja incluída na base de cálculo do tributo, uma vez que estes não presumem a circulação de mercadoria. O ICMS deve se restringir a energia consumida.
Essa decisão provocou um movimento expressivo de causas judiciais intentadas pelos consumidores, que de fato são os atingidos pela cobrança do imposto, afinal tal tributo acaba sendo repassado ao consumidor, somado no total em sua fatura de energia elétrica. É o que chamamos de tributo indireto, ou seja, aquele que incidindo nas relações de consumo, pode ser repassado ao consumidor final.
Aqui está o equívoco, confundir o conceito de tributo indireto, com relação de consumo propriamente dita, sendo esta que pelos ditames da Lei 8.078/90 exige a figura de dois personagens: fornecedor e consumidor. A relação tributária entre o Estado, no caso do ICMS, e a concessionária de energia elétrica, em nada tem a ver com relação de consumo, ou seja, estamos diante de uma relação jurídico tributária. Apesar da incidência do imposto se dar com o consumo, a obrigação tributária não se confunde. Essa conclusão é muito relevante, para que se possa concluir quais regras jurídicas essa relação processual se sujeita, ou seja, caberia aqui devolução em dobro?
A ação a ser proposta pelo consumidor final é em face da concessionária a quem deve devolver o dinheiro?
Conforme já abordado, a relação é tributária, por isso, não se pode prever a aplicação do artigo 42 da Lei 8.078/90 que em seu parágrafo único prevê que o consumidor cobrado de quantia indevida tem direito a restituição por valor
igual ao dobro do que pagou em excesso. Tal afastamento da norma, se dá em razão de não haver a figura do consumidor, e sim do mero contribuinte da relação tributária. Outro equívoco comum entre os postulantes em juízo
se dá na confusão de se determinar os sujeitos dessa relação processual. Aqui a ação deve ser enfrentada conforme determina a Constituição combinado com o artigo 9º da Lei Complementar 87/96, que prevê a competência na arrecadação do ICMS a do Estado da Federação onde a concessionária da energia elétrica presta a atividade. Não há que se colocar como legítimo no pólo passivo da ação de restituição, a concessionária de energia, pois esta na verdade, só repassa o tributo ao consumidor final, contudo, quem figura na relação jurídica e por isso fica com o dinheiro arrecadado é o Estado, pessoa jurídica de direito público.
Bem definido esses temas, precisamos agora enfrentar a situação com relação ao prazo para essa restituição, bem como as correções que estão submetidas. Aplicar-se-á o artigo 168 do Código Tributário Nacional que com a redação atualizada da Lei Complementar 118 de 2005, será de 05 anos, a contar da data do efetivo pagamento indevido, estando sujeitos à correção monetária e juros de mora, conforme determina o enunciado do artigo 167 do mesmo diploma legal que prescreve que a restituição é devida na mesma proporção dos juros de mora e das penalidades pecuniárias.
Esclarecido esses pontos, basta agora a construção da petição que demonstre a intenção inconstitucional do Estado que atualmente extrapola o exercício da sua competência exigindo uma cobrança que não se coaduna com as
regras jurídicas a que é subordinado.
Pedro Bonifácio – Advogado. com especialização em Direito e Processo
Tributário pela PUC/SP, mestrando em Direito Tributário comparado.
Professor na área de direito tributário em cursos preparatórios para OAB,
concursos públicos em carreiras fiscais, e coordenador de pós-graduação em
prática tributária.